quarta-feira, janeiro 12, 2005

 

ISEG e Ensino Superior

Entre algumas desculpas de falta de tempo, cá vem o prometido artigo sobre o ISEG que tinha sido acordado. Em primeiro lugar quero desde já avisar que este post não é se aplica só ao ISEG, mas a toda a estrutura de ensino superior em Portugal. Em segundo peço-vos que não considerem estas ideias como radicais, mas como base mestra do meu pensamento sobre este tema, que logicamente está sempre pronto para analisar uma ou outra excepção.

Antes de irmos para o ensino superior português temos que, na minha opinião, pensar na estrutura do ensino superior a nível europeu e depois a nível internacional. Ou seja, por exemplo os licenciados em Economia e Gestão pelo ISEG não competem só com as faculdades nacionais, mas internacionais. Esta, na minha opinião, é a premissa que os senhores que decidem as políticas a adoptar devem ter presente para tirar as suas conclusões.

Isto deve-se ao facto, de uma maneira geral, à crescente globalização do mercado de trabalho qualificado a nível internacional (e o facto dos portugueses começarem, timidamente, a usufruírem disso), e depois de coisas mais específicas, como é o caso da mobilidade total de pessoas entre o grupo dos 15. Adicionado a isto temos o inevitável tópico do tratado de Bolonha que pretende uniformizar a formação europeia por razões do próprio reconhecimento dos graus de habilitação entre os países.

Não vou entrar na discussão do 3+2+2 ou o raio que o parta, pois isso é de foro dos académicos. A conclusão principal que chego é que temos claramente a vitória do sistema de ensino anglo-saxónico, ou seja, eles acabam por ter que estudar menos tempo para atingir o mesmo grau de habilitações. Por outro lado esta vitória manifesta-se também pela simples comparação das universidades onde leccionam os laureados pelos prémios Nobel nos últimos 10 anos. Isto significa que finalmente podemos abandonar aquela ideia de que a universidade é um sítio onde o aluno cresce pessoalmente (pode continuar a ser de certa forma) mas é predominantemente o sítio onde se formam pessoas tecnicamente capazes de desempenhar uma tarefa específica. Temos que encarar isto com naturalidade e as faculdades têm que ter isso em mente quando definem as suas estratégias. Outro tendência importante é que a licenciatura (o equivalente a um bachelor em termos internacionais) perde cada vez menos a sua importância e cada vez mais é exigido um master a nível Europeu (em muitos países europeus, incluindo os países da Europa de Leste a maioria dos alunos só considera os seus estudos terminados após o mestrado, que faz directamente)

Agora como tornar uma faculdade qualquer mais competitiva no mercado das faculdades? Primeiro vamos escolher os critérios: o número de papers produzidos por docente; as investigações realizadas pelos centros de estudos; a participação e convite de docentes da faculdade para participar em sessões de decisão política a nível Europeu (gostaria de saber quantos funcionários da Comissão Europeia na parte de Economia são do ISEG, por exemplo); qual o reconhecimento do mercado pelos economistas e gestores formados pelo ISEG – um critério simples: rendimento anual médio após dois anos da finalização da licenciatura; Qual a percentagem dos alunos do ISEG que passa a primeira fase de selecção das empresas que recrutam no ISEG (sei de um caso preocupante no ISEG) em comparação com as outras; tempo de colocação após finalização do curso… e por aí além.

Depois de definidos os critérios, falta ir às estratégias. Estas estratégias, defendo-as para o ensino superior português em Geral e não só para o ISEG.

1. Defendo que a maneira de que possa haver mais pressão por parte dos alunos para casos onde se pode melhorar o ensino deva imperar o princípio do consumidor pagador, ou seja, acho que os estudantes devem pagar os seus estudos tal como nas privadas. (Isto tinha outra coisa interessante que era a diminuição do investimento do estado e mais direccionado para as empresas financiarem as universidades de onde querem recrutar)

2. A escolha de faculdade passava a basear-se na qualidade de ensino e da potencial colocação… mais, o mercado a pressionar para a direcção da escola ministrar uma melhor educação; por outro lado há mais pressão para acabar o curso quando deve ser ( e também a possibilidade de interromper quando quiser para fazer outras coisas entretanto ;-))

3. Como o valor das propinas e dos patrocínios ia directamente para os salários dos professores creio que mais uma vez contribuiria a melhoria da qualidade de ensino em Portugal através da avaliação a que estariam sujeitos

4. O pagamento do curso não será tão chocante, quando se ver pela perspectiva de que daqui a alguns anos todos os alunos têm que fazer um mestrado… e este é pago. Será simplesmente uma extensão daquilo que já existe à licenciatura

5. Como existe uma Externalidade positiva para o pais o facto de se ter mais licenciados, acho que o Estado deveria focalizar o seu financiamento para a parte da investigação científica e para projectos de estudo… que é normalmente a parte onde se tem menos estratégia nacional na minha opinião… critérios têm que ser definidos… que investigação científica interessa mais ao pais e por aí adiante… Criação de condições para os portugueses mais bem formados lá fora possam realmente voltar para Portugal… Empresas privadas a financiar isto tb…

6. O processo de financiamento para estudantes sem possibilidades deverá ser feita através de linhas de crédito especiais negociadas com as instituições financeiras (porque não um subsidio para pagar (ou ajudar a pagar) os juros? começar a pagar 2 anos após o curso estar terminado…)

Acho que para além de trazer uma solução onde aumenta a competitividade e qualidade do ensino superior em Portugal, iria trazer uma questão de justiça social. Porque razão, num país onde se têm só 12% da população licenciada, os impostos de todos pagam os estudos de um grupo que à partida vai receber um salário em média bastante superior ao resto da população?

Comments:
Uma série de questões:
1º) Como poderiam estudantes com capacidades intelectuais mas sem capacidades financeiras negociar linhas de crédito junto dos privados?
2º)Como é que muitos alunos poderiam suportar o custo de determinados cursos (mais caros do que outros) que disposessem dos "melhores docentes"? Pagavam durante 100 anos o curso? Mesmo que as faculdades suportassem os melhores alunos através de bolsas, será que isso seria suficiente e não se traduziria no acréscimo do abandono escolar?
3º) Porquê abandonar a ideia de que a faculdade também tem um papel de formação cívica?! Acho que não há problema em consciencializar as pessoas e abrir horizontes para além dos académicos (eu queixo-me da situação inversa!)
4º) É normal (e supõe-se) que os licenciados ganhem acima da média ou não?
5º) Last but not least: porque é que os nosssos impostos hão-de servir para pagar hospitais, se por exemplo, estivermos um ou mais anos sem recorrer a eles? Serão os bens públicos necessariamente uma ineficiência? Pela experiência dos países nórdicos não me parece....a malta não se tem queixado!Mas isto é só a minha humilde opinião!

FSS
 
1 e 2) Acordo entre estado e instituição de crédito. O abandono escolar verifica-se menos no ensino superior que no 2º e 3º ciclo e aí é que deverão centrar-se as nossas preocupações, visto que é ensino obrigatório.
3) Não está implicito, mas é uma tendência
5) São questões diferentes. Na minha opinião não se pode por todos os bens públicos no mesmo saco. Para a saúde será necessárias outras medidas, que por acaso já estão a ser implementadas desde a criação dos Hospitais SA. Já agora não se pode olhar simplesmente para uma solução num páis onde há uma maior consciencialização da relevância do Estado, e já agora esses paíes pagam em impostos quase 50% dos seu rendimento... Culturas diferentes...
 
Artigo interessante, que não me pareceu nada radical, como temias. Concordo com alguns aspectos, discordo de outros que me merecem algumas considerações, a saber:

Em primeiro lugar falas de um triunfo do modelo Anglo-saxónico.Se é verdade que assim parece ser, também não deixa ser verdade que te baseias num pressuposto falso, "eles acabam por ter que estudar menos tempo para atingir o mesmo grau de habilitações".Com a adopção geral por parte das universidades portuguesas do modelo 3+2 que se anuncia, os estudantes portugueses acabam por entrar no mercado de trabalho com quinze anos de escolaridade, ao invés dos dezasseis que se verificam na grande parte dos nossos concorrentes.

Em segundo lugar sou levado a discordar com o caracter essencialmente técnico que advogas para as faculdades.Em minha opinião aqui deve existir uma clara separação das águas.O ensino politécnico deve assumir um papel relevante na formação dos quadros técnicos, em vez de ser um ensino superior de 2ª como até agora. Penso que esse carácter de formação de massa critica tem de continuar a ser fundamental nas universidades (alías neste artigo http://jornal.publico.pt/publico/2005/01/04/EspacoPublico/O02.html um PhD student de Harvard queixa-se, e muito bem, da falta de massa crítica nas universidades portuguesas. Se há coisa que não me entra na cabeça é um aluno andar a tirar um curso de Economia apenas com o objectivo de se inscrever na Câmara dos TOC...

Por fim discordo contigo na questão do financiamento, por uma série de razões:
Porque o processo de bolonha vem, como bem dizes desvalorizar os cursos de licenciatura, pelo que o beneficio trazido por estes aos individuos que os possuem vão tender a diminuir e, se até agora o seu financiamento tem sido em grande parte público, não faz sentido transferi-lo para a esfera privada justamente quando o beneficio para o privado diminui (mantendo-se o beneficio para a sociedade como um todo)

Porque sendo o numero de licenciados em portugal substancialmente inferior ao dos restantes paises da OCDE as externalidades que referes são bastante significativas e não se limitam meramente à investigação produzida nas universidades, encontrando-se primordialmente ligadas à qualificação dos recursos humanos

Porque estudar realmente compensa, em termos de rendimento em ciclo de vida. Esse acréscimo de rendimento, traduz-se em futuro acréscimo de riqueza produzida e de receita fiscal arrecadada, pelo que não estamos todos a pagar para uma pequena camada da população, estamos todos (os que pagam) a pagar para todos.

Quanto ao resto concordo contigo, é preciso pensar global.E é necessário haver pensamento estratégico.
 
"As ideias apresentam-se trocadas logo a partir do primeiro parágrafo." Guarda este tipo de argumentação mesquinha para alimentar o típico debate da assembleia da república na tua futura "eventual" carreira política.

És livre de discordar, mas sinceramente cada vez estou mais convicto das ideias que apresentei. Dos pontos que levantaste vou responder à pergunta. Os outros acho que é mais uma interpretação bastante pessoal que deste.

Num mercado onde pago directamente pelo bem que consumo tenho um poder de exigência formal muito maior, coisa que no caso dos bens públicos isso não acontece. Ninguém falou do volume dos salários dos professores, mas acho que numa gestão privada (atenção isto é diferente de privatização de universidades), o grau de reivindicação é superior. Se pagas e não és bem servido podes sempre reclamar.

"Fico à espera do 'prometido artigo sobre o ISEG', talvez um pouco mais inspirado." Não respondo a cinismos...
 
Confesso que não tive paciência para ler o texto todo mas o ultimo parágrafo chega:

"Porque razão, num país onde se têm só 12% da população licenciada, os impostos de todos pagam os estudos de um grupo que à partida vai receber um salário em média bastante superior ao resto da população?"

Já ouviste falar em externalidades?!?

Se não, avisa-me e eu posso dar-te vários casos práticos onde os outros 88% da população beneficiam do trabalho, salário e empenho dos outros 12%.
 
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